Comecei a ler Manuel Bandeira numa edição da revista Ciência Hoje das crianças e fiquei apaixonada pelo poema Porquinho da Índia.
Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele prá sala
Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas . . .
— O meu porquinho-da-índia foi minha primeira namorada.
Depois, Bandeira me veio por uma colega na faculdade de jornalismo em Recife, que me emprestou uma antologia do poeta. O meu amor por Bandeira só cresceu. Como ele nasceu no Recife, havia muito da cidade na sua obra. Tinha o Espaço Pasárgada, na rua da União, que eu frequentava e que ficava na casa em que o avô dele morou.
Meu estar com o poeta é visceral. Eu descobria o Recife na sua poesia, ia atrás das referências encontradas nos seus escritos. Resultado: acabei construindo um roteiro afetivo da capital pernambucana a partir dos versos de Bandeira.
Na autobiografia Itinerário de Pasárgada, ele confessou gostar de ser “musicado, traduzido e fotografado”. Não chegou a ouvir, o grupo Secos e Molhados musicou o poema Rondó do capitão:
Bão balalão,
Senhor capitão,
Tirai este peso
Do meu coração.
Não é de tristeza
Não é de aflição:
É só esperança,
Senhor capitão!
A leve esperança,
Senhor capitão!A leve esperança,
A aérea esperança…
Aérea, pois não!
– Peso mais pesado
Não existe não.
Ah, livrai-me dele,
Senhor capitão!
… mas tá pra nascer um poema mais gostoso de ler. Tão verdadeiro. É um desabafo dirigido às estrelas: Vou-me embora pra Pasárgada.
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d’água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino Rosa vinha me contar
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.
No livro Itinerário de Pasárgada, você fica sabendo que foram anos para que Vou-me embora pra Pasárgada acontecesse. Isso mostra que há inspiração na feitura da arte. Inspiração aliada a muito trabalho.