Hipérbole. Parábola. Quem escreve, às vezes esquece que não são apenas figuras de linguagem. São figuras geométricas. Não é de figura geométrica que quero falar e sim sobre despedidas. Hamlet chorando a partida de Ofélia:
Que atirem
Montões sem fim de terra sobre nós, até que o chão,
Chamuscando a sua cabeça na zona ardente,
Torne o Ossa uma verruga! (*)(**)
Ferreira Gullar, ao saber da morte de Clarice Lispector:
Enquanto te enterravam no cemitério judeu
do Caju
(e o clarão de teu olhar soterrado
resistindo ainda)
o táxi corria comigo à borda da Lagoa
na direção de Botafogo
as pedras e as nuvens e as árvores
no vento
mostravam alegremente
que não dependem de nós. (***)
W.H. Auden citado no filme Quatro casamentos e um funeral:
Parem todos os relógios, desliguem o telefone,
Evitem o latido do cão com um osso suculento,
Silenciem os pianos e com tambores lentos
Tragam o caixão, deixem que o luto chore.
Deixem que os aviões voem em círculos altos
Riscando no céu a mensagem: ‘Ele Está Morto’,
Ponham gravatas beges no pescoço dos pombos brancos do chão,
Deixem que os polícias de trânsito usem luvas pretas de algodão.
Ele era o meu Norte, o meu Sul, o meu Leste e Oeste,
A minha semana útil e o meu domingo inerte,
O meu meio-dia, a minha meia-noite, a minha canção, a minha fala,
Achei que o amor fosse para sempre: eu estava errado.
As estrelas não são necessárias: retirem cada uma delas;
Empacotem a lua e façam o sol desmanchar;
Esvaziem o oceano e varram as florestas;
Pois nada no momento pode algum bem causar. (****)
(*) No original de Shakespeare:
Let them throw
Millions of acres o nus, till our ground,
Singeing his pate against the burning zone,
Make Ossa like a wart!
(Hamlet, Ato V, cena I)
(**) Ossa é o nome de um monte na mitologia grega.
(***) Poema Vertigem do dia.
(****) Poem Funeral blues